mercredi 3 mars 2010

LÚCIFER Á SOLTA EM HOLLYWOOD


Texto de Jefferson Wille Kielwangen


Oscar Wilde costumava afirmar que a pureza e o valor da arte são inversamente proporcionais ao desejo do artista de agradar, seja ao público ou à crítica. Nesse sentido, quanto mais pessoal e subjetiva a obra, maior o seu valor artístico. Longe de mim querer convencer o leitor da veracidade dessa afirmação; deixemos que os acadêmicos resolvam essas questões profundas. Quero, entretanto, aproveitar o critério de Wilde para falar de um cineasta que certamente nunca tentou agradar ninguém com seus filmes.


Kenneth Anger cresceu em Hollywood, literalmente às margens da maior indústria cinematográfica do mundo, para se tornar um dos pioneiros do cinema experimental americano. “Sou mais um poeta do que um vendedor, por isso nunca tentei fazer parte da indústria do cinema comercial”, garante o excêntrico diretor. Começou a ganhar visibilidade a partir de 1950 com seus curtas polêmicos, repletos de sexo e violência. Num primeiro momento, o público indignado reclamou apenas do eventual homoerotismo. Logo, porém, veio a tona o forte teor subversivo de Anger, com suas frequentes alusões à filosofia de Aleister Crowley, denominada Thelema e frequentemente associada ao satanismo.

Apesar dos temas polêmicos, não é fácil rotular o trabalho de Anger. Não há falas; todos os filmes são como longos videoclipes, muito bem editados, antevendo o estilo que hoje em dia é marca registrada das vinhetas da MTV. Grande parte deles é quase incompreensível aos não-iniciados nas artes ocultas, coisa que o diretor não parece considerar um problema, visto que nunca fez nenhum esforço para ser melhor compreendido. Defeito ou virtude, egotrip ou genialidade? Que cada um decida por si, assitindo aos filmes.


Um título particularmente interessante é Scorpio Rising, de 1964. Nele vê-se jovens motoqueiros nazistas limpando suas motos e participando de orgias homossexuais, culminando em uma tímida mas perturbadora cena de estupro seguida de acidente automobilístico mortal. "Foi um final perfeito para Scorpio Rising," explica Anger, "porque o signo de escorpião refere-se a sexo e morte, e também rege as máquinas – porque os órgãos sexuais são as máquinas do corpo humano.”

Invocation of my demon brother, de 1969, conta com a inusitada participação de Mick Jagger na trilha sonora. Anger filma um ritual de magia cerimonial e faz referências a uma conhecida obra de Aleister Crowley, Moonchild.

Em Lucifer Rising, de 1973, o próprio Anger participa como ator, no papel de Lúcifer, sugerindo uma visão thelêmica de Lúcifer como um deus da luz, diferente do inimigo malévolo pintado pelo cristianismo. Lógico que esse tipo de idéia incomodou muita gente: o filme foi proibido nos EUA durante muitos anos. Contrariando as expectativas, Lucifer Rising não faz referências ao imaginário cristão, restringindo-se aos antigos deuses egípcios.


Indigesto, surreal e subversivo, Kenneth Anger é perfeito para iniciar essa coluna, que trata, afinal, da marginalidade no cinema. Seus filmes influenciaram diretores como John Waters e David Lynch, entre outros. Longe de meras provocações, seus filmes são experiências estéticas e narrativas que não devem ser ignoradas. Infelizmente, não se encontram para alugar em nossas locadoras, e é muito improvável que algum dia venham a passar na televisão. Aos curiosos, só resta importar os filmes via amazon.com (apenas VHS – ainda não existe em DVD), ou baixá-los de graça via Kazaa ou Emule.



Para quem quiser saber mais, há uma longa entrevista com Kenneth Anger em
http://www.ubertext.se/angerinteng.html

jeudi 15 octobre 2009

A evolução da Teoria Literária

A teoria literária não é um assunto que interessa aos leitores em geral. Ao ler um romance, poucos são os que preocupam-se com a sua estrutura, com a divisão coerente e progressiva dos capítulos ou com a formação psicológica das personagens.Evidentemente, um leitor não precisa ter este tipo de conhecimento para aproveitar uma obra. Ninguém preocupa-se com a composição da água enquanto bebe, não é?


Estudiosos da teoria literária, portanto, é que devem preocupar-se com esses aspectos da produção textual.

No entanto, conhecimento nunca é demais e neste caso, pode ajudar a formar um senso crítico mais aguçado para os leitores que não contentam-se com qualquer obra de fundo de quintal.


O marco inicial da teoria literária surgiu ainda nos séculos V e IV a.C com as obras de Homero: e Ilíada. Foi a partir daí que percebeu-se que a literatura poderia ser teorizada como uma ciência e, assim, melhorar — e padronizar — sua qualidade


Mas essa teorização inicial não era do tipo que articula conceitos, apresenta análises ou discute métodos, após Homero surgiram diversas outras teorias que serviram a estes fins. Na Odisséia e na Ilíada discutia-se sobre:


  • A função da literatura, que era reconstituir com fidelidade as ações dos heróis;

  • A origem da literatura, que acreditava-se ser divina;

  • A natureza da literatura, que tinha poder de encantamento, todos paravam para ouvir as histórias.

Com Platão e Aristóteles, com sua obra póstuma: Poética, houve então a consolidação da necessidade de teorizar sobre a literatura.


Logo surgiram grupos que apoiavam formas diferentes de análise da teoria literária. Dois deles teorizavam exatamente sobre as formas desta análise:


  • Grupo normativo: Defendiam a chamada estética clássica, onde todas as obras devem seguir rigidamente as normas impostas, deve-se teorizar sobre a forma antes de criar o texto.

  • Grupo descritivo: Era já um prenúncio da estética romântica, onde o autor é livre para produzir espontâneamente, pelo seu talento e inspirações. Somente após a obra pronta é feita uma análise para enquadrá-la a um gênero literário.


Outros dois grupos teorizavam a respeito da leitura e aproveitamento das obras:

  • O primeiro grupo, apoiava a literatura de estudo sistemático, deve-se ler de forma a alcançar um conhecimento profundo e analítico.

  • O segundo grupo, defendia que a literatura deveria servir como lazer, fruição. Não deviam ser feitas análises. A literatura não deveria servir como objeto de estudo.
A partir dessas formas de pensar diferentes, pode-se destacar 5 momentos históricos sobre a teoria literária:
  1. Séc IV e V a.C: Platão e Aristóteles. Havia indicações normativas, no entanto, havia uma tendêcia descritiva, pois a investigação era feita de forma aberta, sem grandes preocupações com tais normas.

  2. No segundo momento há uma imposição do tom normativo, a estética clássica persiste por vários séculos.

  3. Idade Média: O normatismo persiste e surge a oratória como instrumento de imposição e persuasão.

  4. Fins do séc. XV até séc. XVIII: É redescoberta a Poética de Aristóteles (que é normativa em partes), ela é então novamente estudada e surgem outros teóricos que reforçam seu teor normativo. Elaborada uma junção do conjunto de normas, chamada Preceptística (junção de preceitos).

  5. A partir do séc. XIX: Surge o Romantismo, onde o tom descritivo tem prioridade. Não há normas: o “criar literário” vem da inspiração e genialidade do autor. O que importa é a impressão que a obra causa no leitor (característica essa, fundamental do Impressionismo.

É uma longa viagem histórica e depararmo-nos com formas de pensar tão opostas é muito interessante.

Com o Romantismo e o tom descritivo da literatura o autor tem muito mais liberdade para criar e aproveitar ao máximo sua imaginação, no entanto, a partir disso surgem obras de uma qualidade péssima e qualquer “pessoa comum” é capaz de entitular-se escritor, cabe a nós leitores julgarmos quem são os verdadeiros artistas.

mardi 8 septembre 2009

TABACARIA

Álvaro de Campos

Não sou nada. Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres
Com a morte a pôr umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens.
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.
Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.
Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.
Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.

Saio da janela, sento-me numa cadeira.
Em que hei de pensar?
Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso?
Mas penso ser tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Gênio?
Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu ,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim…
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo.
Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando.
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas
- Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?

0 mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num paço tapado.
Crer em mim?
Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente

0 seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.
(Come chocolates, pequena; Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)
Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, sem rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.
(Tu, que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno – não concebo bem o quê -,
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)
Vivi, estudei, amei, e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente.
Fiz de mim o que não soube,
E o que podia fazer de mim não o fiz.

0 dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.
Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-te como coisa que eu fizesse
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.
Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o desconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, e os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra ,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.
Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.
Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma conseqüência de estar mal disposto.
Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.
(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira

Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira.
Vou á janela. 0 homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica. (0 Dono da Tabacaria chegou á porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o dono da tabacaria sorriu.

dimanche 14 juin 2009

ANTOLOGIAS






Os critérios políticos e literários que cercam a primeira antologia brasileira de contos


As antologias servem, de maneira geral, para evidenciar e consolidar nomes, e serão tanto mais significativas quanto maior a capacidade de apreensão do "espírito do tempo" demonstrada pelo responsável pela recolha dos autores. Ao fim e ao cabo, trata-se de um esforço para tornar canônicas as obras escolhidas, ou seja, para normatizar o gosto literário, baseado em interesses os mais diversos, sejam da sociedade, do mercado editorial ou de grupos, marginalizados ou não. Assim, eleito um "critério" (tema e região de origem aparecem com maior freqüência), escritores sobejamente conhecidos são reunidos a outros em processo de reconhecimento, numa mistura que intenta avalizar estes pela respeitabilidade daqueles. Mesmo as seletas geracionais, que prescindem dessa mescla, necessitam, para serem aceitas, de um garantidor, que pode ser o autor de prestígio que assina a apresentação do livro, a editora que empresta crédito ao projeto, ou o grupo que sustenta a ação.

A primeira antologia brasileira de contos de que tenho registro (excluídas aquelas de caráter eminentemente didático) curiosamente veio à luz em 1922, ano em que se realizava a Semana de Arte Moderna em São Paulo. Trata-se de Contos brasileiros, uma edição de 404 páginas, publicada pela Livraria Garnier, do Rio de Janeiro, impressa na Bélgica, organizada pelos poetas Alberto de Oliveira (1857-1937) e Jorge Jobim (1889-1935) - esse, hoje desconhecido, vem a ser o pai de um dos nossos maiores compositores de todos os tempos, Antônio Carlos Jobim (1927-1994). Vale a pena esmiuçar um pouco o corpus de 36 autores utilizado pelos antologistas para tentar compreender os interesses que nortearam suas preferências.

No prefácio, Alberto de Oliveira defende: "o nosso conto literário ainda não tem história. Se não começou com Machado de Assis, firmou-se com ele, recebendo-lhe das mãos trato que nenhumas outras anteriormente lhe haviam dado e feição nova e característica dos temas e cuidado do estilo. Desde Histórias da meia-noite às Várias Histórias o grande prosador brasileiro se manifesta exímio neste gênero breve e difícil; cabe-lhe e à boa parte dos escritores que lhe seguem até nossos dias, a glória de haverem enriquecido a literatura nacional de algumas obras modeladoras deste caráter. Na maioria dos trabalhos desses autores a escola é francesa, como o é a do nosso romance e poesia; nota-se-lhes, entretanto, - e é agradável reconhecê-lo - o influxo emocional das coisas nossas e da alma do país, na observação dos costumes e linguajar da nossa gente e nas descrições de cenários da natureza".

Política literária
Algumas observações a respeito de política literária se fazem necessárias. Alberto de Oliveira, por ocasião do lançamento desta antologia, já havia publicado a parte mais importante de sua obra e angariara consideração e carinho não só de seus pares, como também do público - basta lembrar que, dois anos depois, em 1924, seria eleito "Príncipe dos Poetas Brasileiros", em concurso da revista Fon-Fon. Ao juntar ao seu o nome do já então reverenciado Machado de Assis (1839-1908), único autor digno de menção no prefácio, Alberto de Oliveira amplifica o caráter canônico do livro e estabelece uma espécie de "padrão qualitativo" às suas opções. A relação entre os dois vinha de longe: Machado de Assis destaca Alberto de Oliveira em seu famoso ensaio A nova geração, de 1879; prefacia seu segundo livro, Meridionais, cinco anos depois; e referenda sua participação como sócio-fundador da Academia Brasileira de Letras, em 1897.

É importante notar que a Academia vivia um momento de solidificação de sua imagem como repositório oficial da cultura brasileira e para isso aproximava-se do poder instituído: em 1900, a Lei Eduardo Ramos autorizava o governo a dar instalação permanente à agremiação, o que ocorreu em 1904, com a cessão da ala direita do Silogeu Brasileiro, no Rio de Janeiro. Em 1917, o livreiro e editor Francisco Alves doou sua fortuna à ABL, quando os acadêmicos passaram a receber "gordos" jetons, nas palavras do romancista e ensaísta Afrânio Peixoto (1876-1947)[1], para comparecer às reuniões. Naquele ano mesmo de 1922, por sugestão de Peixoto, a França cedeu o pavilhão que representou o país na Exposição Internacional, comemorativa do Centenário da Independência, o chamado Petit Trianon, que se tornaria a primeira sede própria da ABL. Portanto, a publicação dessa antologia, assim como a lançada no ano anterior, nos mesmos moldes, reunindo poetas brasileiros[2], fazia parte da estratégia de confirmar a Academia como órgão chancelador do cânone literário brasileiro: da lista de 36 autores, 21 pertenciam aos quadros da ABL - sem contar Viriato Correia (1884-1967) e Gustavo Barroso (1888-1959), que seriam eleitos mais tarde, em 1938 e 1923, respectivamente, e Júlia Lopes de Almeida (1862-1934), única mulher da lista, vítima da misoginia da Casa[3].

Ao núcleo fundador da Academia pertenciam, além de Machado de Assis, Lucio de Mendonça (1854-1909), Garcia Redondo (1854-1916), Artur de Azevedo (1855-1908), Aluísio Azevedo (1857-1913), José Veríssimo (1857-1916), Valentim Magalhães (1859-1903), Domício da Gama (1862-1925), Coelho Neto (1864-1934), Olavo Bilac (1865-1918), Rodrigo Octávio (1866-1944), Medeiros de Albuquerque (1867-1934), Graça Aranha (1868-1921) e Magalhães Azeredo (1872-1963). Eleitos posteriormente eram: João Ribeiro (1860-1934), em 1898; Xavier Marques (1861-1942), em 1919; Vicente de Carvalho (1866-1924), em 1909; Afonso Arinos (1868-1916), em 1901; Afrânio Peixoto, em 1910; Alcides Maia (1878-1944), em 1913, e João do Rio (1881-1921), em 1910. Doze não tinham ligação direta com a Academia: Felício Terra (1851-922), Gonzaga Duque (1863-1911), Alcides Flávio (1863-1928), Virgílio Várzea (1863-1941), Alberto Rangel (1871-1945), Tomás Lopes (1879-1913), Veiga Miranda (1881-1936), Oscar Lopes (1882-1938), Monteiro Lobato (1882-1948), Roque Callage (1888-1931), Gastão Cruls (1888-1959) e Hugo de Carvalho Ramos (1895-1921).

Projeção extraliterária
Destrinchando um pouco mais as "apostas" da dupla de antologistas, podemos constatar, independentemente da qualidade dos contos, que as escolhas que não obedeceram à necessidade primeira de exposição dos quadros titulares da Academia, recaíram, em sua maioria, em nomes de projeção extraliterária na sociedade. Oscar Lopes, irmão de Tomás Lopes, vinha a ser o fundador da Sociedade de Homens de Letras do Brasil, que contou entre seus membros com vários acadêmicos; Veiga de Miranda era à época ministro (civil) da Marinha no governo Epitácio Pessoa (1919-1922); Monteiro Lobato celebrava o sucesso de vendas de seus livros (Urupês, Cidades mortas e Negrinha) e o êxito de sua carreira de empresário, como dono da prestigiosa Revista do Brasil e da editora que levava seu nome; Alberto Rangel alcançara projeção com a coletânea de contos Inferno verde, de 1908, apadrinhada com entusiasmo pelo aclamado acadêmico Euclides da Cunha (1866-1909) - e os desconhecidos Felício Terra e Alcides Flávio eram os pseudônimos atrás dos quais se escondiam dois eminentes médicos, Nuno Ferreira de Andrade e Antônio Fernandes Figueira, respectivamente.

Revelado o corporativismo que atendeu às preferências de Alberto de Oliveira e Jorge Jobim, é curioso perceber como o cânone de hoje absorveu essas escolhas[4]. Ao lado de uma maioria de escritores de segundo plano, houve os que se distinguiram e firmaram sua posição em outros gêneros que não o conto (os romancistas Aluísio Azevedo e Graça Aranha, os críticos José Veríssimo e João Ribeiro, os poetas Olavo Bilac e Vicente de Carvalho); os que, desprezados por décadas, encetaram uma aparentemente irresistível reascensão (João do Rio e o Monteiro Lobato para adultos); os que começam a ter a obra revista (os casos de Júlia Lopes de Almeida e Coelho Neto, em minha opinião, os mais urgentes, por mais injustos) e os diletantes, devidamente esquecidos. Assim, dos contistas efetivamente considerados importantes no desenvolvimento da história da literatura brasileira apenas sobraram Artur Azevedo, Afonso Arinos e Hugo de Carvalho Ramos, este talvez a aposta mais ousada e certeira da antologia[5].

O leitor contemporâneo pode até estranhar a falta de um autor como J. Simões Lopes Neto (1865-1916) nesta antologia, mas relevará quando atentar para o fato de que a produção do gaúcho, conhecida apenas regionalmente, só viria a ser valorizada mais tarde, a partir da década de 40. Estapafúrdia, no entanto, é a ausência de Lima Barreto (1881-1922). Neste caso, Alberto de Oliveira e Jorge Jobim não podiam sequer alegar que ignoravam a existência do escritor carioca, já que, além de presença constante nas páginas dos jornais da cidade, vinha publicando seus livros desde 1909, com alguma repercussão junto à crítica. Não bastasse isso, Lima Barreto havia se lançado, sem sucesso, à vaga de Emílio de Menezes (1866-1918) na Academia Brasileira de Letras, em 1919, afinal ganha por Humberto de Campos (1886-1934), e no ano seguinte concorrera, com o romance Vida e morte de M. J. Gonzaga de Sá, a um prêmio oferecido pela mesma Academia, obtendo apenas uma menção honrosa[6]. Claramente, a exclusão do escritor se deu, não em função da qualidade de sua obra, mas por razões de política literária. O lugar de destaque que ocupa na literatura brasileira coroa a vitória da razão sobre o preconceito.

[1] Segundo o acadêmico, o governo dava uma subvenção à Academia desde sua fundação, "uma coisa insignificante", mas que aumentou substancialmente após a doação de Francisco Alves, o que o leva a lamentar que o jeton, "gordo como é hoje [1945], veio, porém, desvirtuar-lhe de certa maneira a finalidade". V. SENNA, Homero. República das Letras - entrevistas com 20 grandes escritores brasileiros. 3ª edição revista e ampliada. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996. (p. 86-87)

[2] OLIVEIRA, Alberto. JOBIM, Jorge. Poetas brasileiros. Rio de Janeiro: Livraria Garnier, 1921.

[3] Durante as conversas iniciais para a formação da Academia Brasileira de Letras, Lúcio de Mendonça escreveu um artigo no jornal O Estado de S. Paulo, anunciando para breve a reunião que definiria os nomes dos 40 imortais: "Sem me responsabilizar pela exatidão absoluta, pois uma ou outra modificação pode ocorrer afinal, penso, entretanto, sem perigo de muitos enganos, comunicar-lhes, como interessante primícia, a seguinte lista, por ordem alfabética dos nomes que sairão os dos 40 membros efetivos da Academia Brasileira de Letras do Rio de Janeiro", mencionando, entre eles, Julia Lopes de Almeida, mas não seu marido, Filinto de Almeida (1857-1945). Entretanto, "por modéstia e devoção conjugal, ela preferiu vê-lo eleito, em seu lugar", o que de fato ocorreu. V. MAGALHÃES JR, Raymundo. Vida e Obra de Machado de Assis. Volume 3 (Maturidade). Rio de Janeiro/Brasília: Civilização Brasileira/INL-MEC, 1981 (p. 287-288)

[4] Não considero, por razões óbvias, a carreira de Machado de Assis.

[5] Embora seu único livro, Tropas e Boiadas, publicado em 1917, tenha sido muito bem recebido pela crítica (escreveram sobre ele Antônio Torres, Medeiros e Albuquerque, Jackson de Figueiredo, entre outros, sempre com palavras de entusiasmo), Hugo de Carvalho Ramos, espírito melancólico, avesso à vida social, não era mais lembrado quando de sua morte, quatro anos depois. V. RAMOS, Hugo de Carvalho. Obras Completas. São Paulo: Edições Panorama, 1950.

[6] V. BARBOSA, Francisco de Assis. A vida de Lima Barreto. 8 ª edição. Rio de Janeiro: José Olympio, 2002 (p. 288-291)

vendredi 8 mai 2009

Antonin Artaud



Antonin Artaud nace en Marsella, hijo de un armador francés y de una mujer de herencia levantina. A los cuatro años de edad sufre un grave ataque de meningitis, cuya consecuencia es un temperamento nervioso e irritable, interpretado también como síntoma de una neurosífilis adquirida de uno de sus padres. El dolor físico y cierta sensación de paranoia no lo dejarán nunca y lo obligarán a pasar largas estancias periódicas en sanatorios mentales (cuyo ejemplo más prolongado y trágico son los nueve años que pasa encerrado en El HavreVillejuif yRodez, de 1937 a 1946).

La muerte de su hermana Germaine, en 1905, lo marca profundamente. Vale la pena anotar que por aquel entonces es una persona extremadamente devota. En 1914, luego de sufrir una crisis depresiva, durante sus estudios, piensa en inscribirse en el seminario. El catolicismo, pues, influye en la vida de Artaud y en su obra desde muy joven. Su influencia lo hará oscilar entre el ateísmo declarado y la devoción excesiva (que se manifiesta durante sus crisis nerviosas en 1943, llevándolo a un extremo de piedad antisemita).

En 1920 llega a París para dedicarse a escribir. Reúne sus primeros versos bajo el título Trictac del ciel (1924). Dirá después de ellos que no lo representan por ser afectados, "farsas de un estilo que no lo es y que nunca lo fue." A raíz de su publicación entra en contacto con André Breton, quien acaba de hacer público, a su vez, el primer Manifiesto Surrealista. Asume el cargo de director de la oficina de investigaciones surrealistas. A lo largo de este periodo escribe también guiones de películas y poemas El ombligo de los limbosEl pesanervios, etc.

Junto con Roger Vitrac funda, en ese período, El teatro Alfred Jarry y entre 1927 y 1929, monta cuatro espectáculos. El absoluto fracaso de sus primeros montajes le lleva a refugiarse en la teoría, con lo que sienta las bases del denominado Teatro de la crueldad.

Aquel que apuesta por el impacto violento en el espectador. Para ello, las acciones, casi siempre violentas, se anteponen a las palabras, liberando así el inconsciente en contra de la razón y la lógica.
Antonin Artaud - El teatro y su doble.

En 1936 Artaud viaja a México y convive con los Tarahumaras, un pueblo indígena, para encontrar la antigua cultura solar y experimentar con el Peyote.

Con los Tarahumaras uno entra en un mundo terriblemente anacrónico y que es un desafío a estos tiempos. Me atrevo a decir que es peor para estos tiempos y tanto mejor para los Tarahumaras.
Antonin Artaud

A su regreso de México, a principios de 1937, Artaud pasó algunos meses imerso en el estudio de la astrología, la numerología y el Tarot. Como explica Giordano Berti en su artículo sobre Artaud en Claves y Secretos del Tarot, existe una obra de Artaud, "Las nuevas revelaciones del ser" (1937) que contiene el testimonio de un especial método de interpretación del Tarot consistente en interpretar los arcanos mayores y menores como referente simbólico para las experiencias cotidianas. Un año más tarde, deportado de Irlanda, será ingresado por "sobrepasar los límites de la marginalidad".

Pasa nueve años en manicomios con el tratamiento de terapia electroconvulsiva acabando por hundirle físicamente. Sus amigos logran sacarlo y vuelve a París, donde vivirá durante tres años. Publica en 1947 el ensayo Van Gogh le suicidé de la société ("Van Gogh el suicidado de la sociedad"), galardonado al año siguiente con el Prix Saint-Beuve de ensayo. En 1948 este periodo produjo el programa de radio Para acabar con el Juicio de Dios, el cual es censurado y sólo será transmitido en los años 1970. Sus cartas de la década de los 40, muestran su desilusión frente a tal decisión.

Antonin Artaud muere de un cáncer el 4 de marzo de 1948 en el asilo de Ivry-sur-Seine.



Livro disponível: O julgamento de Deus

jeudi 26 mars 2009

Arcadismo ou Neo-Classicismo


Cláudio Manuel da Costa, um dos fundadores do arcadismo mineiro

O Arcadismo, também conhecido como Neoclassicismo, caracteriza-se pela busca de restauração dos ideais de sobriedade e equilíbrio da antiguidade clássica em contraposição aos excessos do período anterior, o Barroco. O movimento é contemporâneo do Iluminismo, corrente de pensamento racionalista que se divulgou pela Europa no século XVIII e que culminou com a Revolução Francesa, em 1789. Associações de letrados como a Arcádia Romana e, mais tarde, a Arcádia Lusitana foram veículos importantes para a propagação do ideário do movimento na Europa. O nome "Arcádia" é inspirado na região lendária da Grécia que representa o ideal de comunhão entre homem e natureza, daí o Arcadismo ter como tema privilegiado o bucolismo, em que a natureza é vista como refúgio último das noções de verdade e beleza.
No Brasil, os poetas que melhor representam o movimento são Cláudio Manuel da Costa e Tomás Antônio Gonzaga, autor de Marília de Dirceu. Ambos participaram da Inconfidência Mineira, movimento político que visava a emancipação do Brasil em relação a Portugal. Os poemas laudatórios de Basílio da Gama e a produção poética de Alvarenga Peixoto e Silva Alvarenga também apresentam traços típicos do Arcadismo. Todos esses poetas concentravam-se na cidade mineira de Vila Rica, centro da atividade mineradora e mais importante centro urbano do país nesse período. No Rio de Janeiro, nos anos de transição entre os séculos XVIII e XIX, entre uma série de novidades de ordem política e econômica que começam a transformar a fisionomia do país, verifica-se o surgimento de diversos órgãos de imprensa. Nesse momento tardio do Arcadismo, têm destaque as figuras dos jornalistas Hipólito da Costa, fundador do jornal Correio Braziliense, e Evaristo da Veiga, cronista político do Aurora Fluminense.

Os antigos escritores gregos e romanos sintetizam o ideal de harmonia que os autores do período buscavam resgatar. Por isso eles também são conhecidos como neoclássicos. Tida como reduto por excelência do equilíbrio e da sabedoria, a natureza é a temática mais freqüente do Arcadismo. Em grande medida, é possível dizer que a poesia arcádica caracteriza-se por essa busca pelo "natural", ao qual estavam sempre associadas as idéias de verdade e de beleza.

Apesar de ter sido influenciada pela tradição poética do século XVI, cujo nome mais importante é Camões, e de apresentar resquícios do Barroco em certos casos, a poesia arcádica é um modelo de simplicidade e objetividade, se comparada com as obras do período anterior. Exemplos dessa simplificação da linguagem são a valorização da ordem direta, o verso sem rima, a singeleza do vocabulário e a menor incidência de comparações e antíteses – todos fatores identificáveis na produção poética do Arcadismo.

Essa liberdade formal, no entanto, era regida por normas consolidadas e formatos fixos que só começariam a afrouxar a partir do Romantismo. O soneto, por exemplo, era uma das formas mais empregadas, como se pode perceber pela obra de Cláudio Manuel da Costa. Também bastante utilizados eram a ode (composição poética dividida em estrofes simétricas, para ser cantada), a elegia (poesia sobre tema fúnebre) e a écloga (poesia pastoril).

Sem perder a impregnação religiosa nem o respeito à monarquia, os poetas do período abordaram assuntos mais imediatos e concretos do que seus antecessores. Fazem parte de seu universo temático o elogio da virtude civil, a crença na melhoria do homem pela instrução, a noção de que a harmonia social depende da obediência às leis da natureza, e a concepção da felicidade como conseqüência da prática do bem e da sabedoria. Todas essas idéias, em grande medida derivadas do Iluminismo, encontram expressão política na figura do Marquês de Pombal.

Secretário do rei D. José I, Pombal é a face portuguesa do "despotismo esclarecido" que vigorou em certos países da Europa nos séculos XVII e XVIII. Ele promoveu a reforma do ensino na Universidade de Coimbra, a reconstrução da cidade de Lisboa após o terremoto de 1755 e a expulsão dos jesuítas do território da coroa portuguesa. Também foi o maior mecenas das artes do período, o que justifica o apoio de poetas do Arcadismo à sua causa. É difícil compreender um poema como O Uraguai, por exemplo, longe desse contexto. Nessa obra épica, Basílio da Gama louva a política da coroa portuguesa de combate aos jesuítas, que são retratados de maneira impiedosa. Também O Desertor, de Silva Alvarenga, foi composto com o propósito único de cantar loas à reforma do ensino empreendida por Pombal.

O iluminismo pombalino caracterizou também a prosa do período. Ela se manifestava nas formas de sermões, discursos, panfletos e ensaios de jornal. Os escritos teóricos e científicos, em sua maioria produzidos em Portugal sob os auspícios do Marquês, também tiveram influência durante o Arcadismo, como atestam os manuais de poesia de Verney e Freire e os textos sobre a reforma educacional escritos por autores como Antonio Nunes Ribeiro Sanches. A prosa literária, no entanto, atingiu pouca expressão. Uma razão para isso é o fato de que a poesia era então considerada um meio adequado para a discussão de idéias de interesse público. Assim, diversos autores do período manifestaram-se sobre ciência, educação, filosofia, política ou até temas técnicos, como zoologia e mineração, em textos versificados.


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Neo-Classicismo em Portugal

Corrente estética surgida na arte ocidental na segunda metade do século XVIII que retoma os modelos formais do classicismo europeu e da antiguidade greco-romana, assumindo-se como reacção aos excessos estilísticos do barroco e do rococó. A ressurgência revivalista desses modelos fica a dever-se, em grande parte, a um conhecimento mais apurado da arte antiga, através das expedições arqueológicas conduzidas no âmbito ou à margem das campanhas napoleónicas na primeira metade do século. O neoclassicismo estende a sua influência à pintura, à escultura, à arquitectura e à literatura, convertendo-se rapidamente em estilo defendido pelas academias, chegando a confundir-se com a acção normativa destas instituições, na escolha de temas e estilos inspirados nos episódios mitológicos e na exaltação do heroísmo. A literatura deveria servir ideais cívicos, devolvendo-se-lhe uma dignidade que, assim consideravam os seus defensores, fora desdenhada pelo barroco. A recuperação de formas clássicas (a ode, a elegia, a epístola, a sátira, o epigrama, a tragédia, a comédia...), a concepção da arte como imitação da natureza, o ataque ao barroco, são as principais marcas deste movimento. Em Portugal, a implantação do neoclassicismo acompanha a difusão dos ideais iluministas, na sua defesa da razão, necessária para a validação das acções humanas na esfera política, social ou artística. A edição da Arte Poética de Cândido Lusitano, em 1748, assinala a introdução do neoclassicismo em Portugal, que encontraria os seus cultores em Correia Garção, Cruz e Silva e Reis Quita, entre outros.
Trecho de um poema de Du Bocage:
“Meu ser evaporei na lida insana
Do tropel das paixões, que me arrastavaAh!
Cego eu cria, ah!
Mísero eu sonhava
Em mim, quase imortal, a essência humana!”

vendredi 6 février 2009

Etimologia - Estudo das Palavras



"Na história de uma língua, as palavras mudam de forma e significado, desaparecem umas e outras novas se incorporam ao idioma. Nenhuma, porém, surge do nada. Na antiga Grécia já se manifestava preocupação com a etimologia, tratada por Platão no diálogo Crátilo.

Disciplina da lingüística histórica, a etimologia pesquisa a origem e a derivação das palavras e freqüentemente lhes revela o significado primitivo. Durante muito tempo, o parentesco entre as palavras se explicava apenas pela semelhança entre elas. Embora incapaz de elucidar sistematicamente a origem das palavras, a etimologia popular tornou-se responsável por algumas formas que ocorrem atualmente.

A etimologia constituiu-se em ciência quando Jacob Grimm descobriu as leis fonéticas de seu próprio idioma e divulgou-as em sua Gramática alemã (1819-1822). Em 1836, Friedrich Christian Diez iniciou a publicação da sua monumental Gramática das línguas românicas, em que estabelece as relações entre as línguas latinas entre si com o próprio latim, por meio de leis fixas de precisão quase matemática. Desde então, a etimologia é uma das áreas mais importantes da lingüística.

Modernamente acredita-se que as leis fonéticas não são tão rígidas como se pensava no curso do século XIX, por influência da ciência e filosofia positivista. Os fenômenos lingüísticos estão sujeitos a desvios impostos por causas externas e de ordem psicológica. Nas pesquisas etimológicas não se pode prescindir das leis fonéticas. Por exemplo, uma lei fonética do português estabelece que a consoante "p" se transforma em "b" quando se acha entre vogais no meio do vocábulo. Assim, do latim lupus e ripa chega-se a "lobo" e "riba" em português. Nesse caso diz-se que houve um abrandamento (ou sonorização), pois o "b" é mais brando que o "p". No francês ouve-se um "v" quando em latim há um "p" na situação indicada: louve e rive correspondem em português a "loba" e "riba". Sob o domínio de outras leis fonéticas, o latim evoluiu, na Gália, para uma língua semelhante ao português mas diferente dele.

O estudo sistemático das leis fonéticas permitiu associar diversas línguas a um mesmo tronco: português, castelhano, provençal, francês, italiano, romeno etc. ao latim; inglês, alemão, sueco etc. ao germânico primitivo; russo, búlgaro, polonês, tcheco, servo-croata etc. ao proto-eslavo, e assim por diante. Chegou-se então a sugerir, o que na atualidade é universalmente aceito, que várias línguas antigas, disseminadas num território que se estendia da Índia à Europa, procediam de um tronco primitivo, denominado indo-europeu, que seria um idioma falado na área geográfica que compreende o oeste da Rússia. Por circunstâncias favoráveis inexplicadas, o indo-europeu foi levado para o sudoeste da China, para a Índia, e para o resto da Europa.

Nem todas as línguas dessa vasta área têm a mesma origem, como o extinto tocariano, falado ainda na China no século VII. Na Europa, o vasconço, o húngaro, o finês e o turco não são línguas indo-européias. Na Ásia, algumas línguas semíticas conseguiram suplantar os dialetos indo-europeus: tal o caso do hitita, que desapareceu totalmente e cedeu lugar, depois de séculos, ao fenício.

O grande progresso dos estudos etimológicos permitiu conhecer a origem da maior parte das palavras da língua portuguesa. Foi traçada a história de cada vocábulo, com as diversas formas que assumiu ao longo do tempo, seus vários significados e as relações com outras palavras, vernáculas ou estrangeiras. Para isso, é importante também determinar o estrato social em que evolui cada palavra. Por exemplo, a palavra portuguesa "lupino" (do latim lupinus) não sofreu as mudanças observadas em "lobo", por ter chegado à língua por via erudita.

As etimologias estudam-se em gramáticas históricas, em dicionários etimológicos ou em trabalhos assistemáticos. Diez publicou em 1853 o primeiro Dicionário etimológico das línguas românicas. Outros, mais completos, ou particulares a determinados idiomas, foram editados depois. Antenor Nascentes é o pioneiro entre os dicionaristas etimológicos de língua portuguesa (1932). José Pedro Machado publicou em dois volumes o Dicionário etimológico da língua portuguesa (1952-1956), em que lançou luz sobre o enorme contingente árabe do léxico português.

As palavras correntes do português são indiscutivelmente latinas, ainda que do latim o português não tenha herdado senão um vocabulário pobre, pequeno cabedal que se expandiu sem perder o cunho originário. Com relação à matriz tupi, obra meritória é o Dicionário histórico das palavras portuguesas de origem tupi (1978), de Antônio Geraldo da Cunha."

EmDiv